Pode ficar descansado. Não vamos fazer um tributo ao talento desportivo de um miúdo de 12 anos, nem sequer vamos dizer que vai ser o próximo craque da região, por muitos golos que marque e por muito que admire João Félix, Ronaldo, Gonçalo Ramos e Bernardo Silva.
Bem pelo contrário. O que vamos fazer é exaltar os golos que Luís Anselmo não marcou. Não porque, naqueles momentos, tinha a pontaria desafinada, mas porque, simplesmente, não quis.
É verdade! No espaço de pouco mais de três meses, o avançado do Grupo Desportivo e Recreativo Bidoeirense viu-lhe ser mostrado pelo árbitro, em duas ocasiões, o cartão branco, um recurso pedagógico que visa enaltecer condutas eticamente corretas, praticadas por atletas, treinadores, dirigentes, público e outros agentes desportivos.
Vamos por partes. O primeiro caso ocorreu a 28 de janeiro, num jogo pelos iniciados, frente ao Vieirense. Com o resultado ainda a zero, o Bidoeirense procedia a um “ataque perigoso”. Depois de um lance dividido com o guarda-redes adversário, o ponta-de-lança rematou com sucesso para a baliza e o árbitro validou a jogada. Luís acercou-se do juiz e admitiu ter tocado no adversário na altura do remate. A jogada foi anulada.
A 4 de maio aconteceu o segundo caso, num jogo da equipa sub-13 frente ao Marinhense. A cinco minutos do fim, o Bidoeirense perdia por 4-3, mas pressionava à procura do empate. “A bola vinha no ar” e Luís Anselmo dominou-a, mas chocou com o guarda-redes adversário, que ficou estatelado no chão, queixoso. O nosso rapaz tinha tudo para chegar ao empate, mas, alertado pelo treinador Rúben Remígio, atirou a bola para fora e foi ver o que se passava com o guardião.
Arrependido? “Claro que não. Faz parte e sinto-me muito bem”, conta-nos este “bom aluno” do 7.º ano na escola das Colmeias. “O futebol não é só golos. É diversão e não faz sentido aproveitarmo-nos de o adversário estar aleijado”, continua.
Obviamente, tão nobre atitude deixou todo o clube orgulhoso. “Queremos ganhar sempre, mas mais importante são estes valores que queremos transmitir”, explica o técnico.
“Até porque nunca sabemos se alguém está mesmo lesionado e ficamos preocupados quando vemos um atleta tão novo queixar-se”, diz Rúben Remígio, para quem o fair-play “sobretudo nestas idades e a este nível” não pode ser uma treta. “Não me importo que um atleta meu falhe um golo de baliza aberta, mas tem sempre de ter uma postura correta.”
Para o presidente do Bidoeirense, esta distinção “é sinal de que as coisas estão a correr bem”. “Acredito que é o espelho do que fazemos todos os dias. A malta podia ficar no sofá, mas sai todos os dias de casa para fazer passar bons valores”, explica Bruno Carreira.
No fundo, são atitudes como as do Luís que fazem tudo valer a pena. “Nestes clubes muito locais. o importante é que os miúdos se sintam bem, sejam felizes, criem amizades e possam brincar com a competitividade. Queremos formar bons atletas, mas o essencial é formar homens bons e criar uma família grande entre estes mais de 100 miúdos e respetivas famílias.”