Na sala de ginástica do Pavilhão dos Pousos, o silêncio é quebrado pela voz firme e acolhedora da professora Joana: “Vamos lá, senhor Acácio, mais um passo para a frente. Isso, ótimo! Está a ir muito bem.” Entre os colegas de aula, há um homem que se destaca pela força e determinação. Acácio Ferreira, 73 anos, enfrenta uma escuridão física que jamais diminuiu a sua luz interior. Ele é o mais recente membro do programa Viver Activo, e, apesar da cegueira total que o acompanha desde 2010, não esconde o sorriso enquanto se movimenta com esforço e dedicação naquelas aulas.
Residente nos Andrinos, Acácio é portador de retinopatia pigmentar, doença que se instalou lentamente ao longo dos anos. A visão foi desaparecendo, até que em 1985 perdeu a capacidade de ler e dirigir. Aos poucos, o mundo ficou “todo branco” – como ele mesmo descreve, um branco que não tem noite nem dia. “Se fechar os olhos, é tudo branco. Com os olhos abertos, é tudo branco. É como um manto que cobre tudo.”
Ao lado de Acácio, fiel, calma e constante, está Felicidade, sua esposa. Ela é mais do que uma companheira de vida; é a sua sombra, cuidadosa, com os olhos sempre atentos. Acompanha-o nas aulas, às vezes corrigindo um gesto, outras vezes apenas transmitindo segurança com uma mão no ombro ou uma palavra de incentivo. “Acompanhar o Acácio é a minha forma de o ver feliz,” diz ela, com um leve sorriso. “Ele nunca desistiu e eu nunca o deixaria desistir.”
Para Felicidade, cada sessão de ginástica é uma vitória, uma prova de que o amor e o cuidado podem fortalecer as barreiras impostas pela doença. E para Acácio, tê-la ao lado é saber que há um porto seguro em qualquer desafio. “Ela é a minha tutora, a minha parceira em tudo. Se ela não está, a dificuldade é maior. Mas, se ela está, o caminho é mais suave”, diz ele.
“Rode o braço junto às orelhas, senhor Acácio”, orienta a professora Joana. Com atenção, ela guia cada movimento, adaptando as orientações e permitindo que Acácio explore novas possibilidades físicas, que ele também procura nas aulas de hidroginástica, nas Piscinas de Leiria, com o professor Rafael. “Foi uma experiência nova para mim e o professor Rafael deu-me bastante apoio”, comenta Acácio, revelando a gratidão que sente por cada profissional que cruza o seu caminho.
Para ele, estas aulas vão para lá do bem-estar físico. “Não é só para me sentir melhor; é pelo convívio, pela vida que ali acontece”, explica, emocionado. “Costumo dizer que tenho um vício e não quero separar-me dele, que é o gosto de viver.”
Ainda assim, descreve seu universo como “pequeno”. “Gostava de ver um mundo grande, mas o meu mundo é o meu corpo. Para onde viro, tudo é igual, não sei se há uma parede, se não há.” Vive limitado ao espaço imediato que o seu toque e a sua audição alcançam. A cegueira não levou o seu desejo de liberdade, mas trouxe consigo um novo tipo de confinamento, de frente para o mesmo vazio branco.
“A amizade com a minha cegueira também é grande. Ela não se quer ir embora e eu não a deixo ir”, diz, revelando um humor bem-disposto. “É assim que tenho de aceitar, é a minha realidade. Aprendemos a adaptar-nos ao que a vida nos dá, não é? Viver muito é bom, mas nem sempre traz coisas melhores.”
Nos tempos livres deste antigo carteiro, que agora são muitos, dedica-se à agricultura. É a sua forma de se conectar ao mundo, de encontrar propósito e independência. “A Felicidade ensina-me tudo o que preciso para lidar com a terra. Faço a pulverização e racho lenha com marreta e cunha. Ando dois quilómetros por dia, menos ao domingo, para ir cuidar das galinhas. A agricultura foi a maneira que encontrei de enfrentar esta realidade, de continuar a viver.”
Com uma vida marcada pela superação, Acácio encontrou no programa Viver Activo uma nova maneira de manter-se em movimento, em convívio, e em paz com a sua condição. Ele e Felicidade são exemplo de parceria, força e de um amor que ilumina até o mais escuro dos caminhos.